De cavanhaque e 27 quilos mais magro, o
ex-procurador-geral da República acredita que algumas decisões que o Supremo
tomou recentemente representam uma contramarcha na Lava Jato
POR JAILTON
CARVALHO E THIAGO HERDY
Era
início da tarde da terça-feira 17 de julho quando o garçom da churrascaria
argentina na Asa Sul, em Brasília, interrompeu a conversa para dizer que havia
a opção de almoçar na área externa do restaurante, mais espaçosa.
Procurador-geral da República durante o período mais agudo da Lava Jato
(2013-2017), Rodrigo Janot, de 61 anos, não perdeu a chance de fazer piada na
hora de sugerir a permanência na mesma mesa. “Vamos manter isso. Com Supremo,
com tudo”, riu, misturando frases já antológicas de grampos de investigações
que flagraram, em momentos distintos, o presidente Michel Temer (MDB) e o
senador Romero Jucá (MDB) em confidências nada republicanas.
Vinte
e sete quilos mais magro, graças a seis meses de dieta de baixa caloria,
cavanhaque novo (estado civil idem) e a pele corada típica de quem saiu do olho
do furacão, depois de cinco meses na Colômbia, onde deu um curso sobre combate
à corrupção na Universidad de los Andes, Janot escolheu um dos vinhos mais
baratos do cardápio, um português alentejano de R$ 98, “com bom
custo-benefício” — ao fim do encontro com ÉPOCA, ele fez questão de pagar sua
parte da conta de R$ 508.
Preparando-se
para mergulhar na iniciativa privada em breve — pretende abrir um escritório
próprio especializado em compliance assim que se aposentar —, o
ex-procurador-geral da República centrou fogo, durante a entrevista, no ritmo
das investigações na gestão de sua sucessora, Raquel Dodge. “Estão num ritmo
mais lento do que acontecia antes. Isso é visível”, disse Janot. Ele afirmou
que o país vive um momento de “contramarcha da Lava Jato”, agravado pelas
decisões da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele criticou o arquivamento
de inquéritos sem a concordância do Ministério Público Federal, embora
reconheça que os investigadores precisam fazer sua parte. “Água mole em pedra
dura, tanto bate até que... cansa”, disse, recriando o dito popular, antes da
entrevista, na qual não autorizou fotos de seu novo visual. (“Minha filha pediu
que eu me mantenha discreto”).
A
seguir, os principais trechos da conversa.
A
Justiça brasileira está partidarizada? O Judiciário não é um partido
político. E não pode ser. Agora temos exemplos ruins de cima para baixo e de
baixo para cima de decisões que sugerem algum engajamento partidário.
Quais
são? As decisões mais emblemáticas, que servem de
parâmetro para todo o Judiciário, são as do Supremo Tribunal Federal. Então
temos de analisar as decisões do Supremo, se elas têm ou não têm um viés que
não seja exclusivamente jurídico.
A
Lava Jato tem algum inimigo no STF? Em minha época, não tinha.
Se hoje evoluiu ou involuiu, não sei. Posso lhe responder com uma frase que não
é minha: “Temos de dar um freio de arrumação nisso tudo, temos de ajeitar isso
com o Supremo e tudo”.
Esse
freio de arrumação aconteceu? Acho que esses processos têm
marchas e contramarchas. No momento atual, a gente tem mais contramarchas que
marchas.
O
senhor pode explicar melhor? Algumas decisões que o
Supremo tomou (recentemente) não são iguais às tomadas à época
do ministro Teori Zavascki, quando eu era procurador-geral.
O
senhor se refere às decisões da Segunda Turma (onde os ministros Dias Toffoli,
Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes formam maioria)? Eu
me refiro às decisões da Segunda Turma, sim.
Elas
representam uma contramarcha? Em minha visão de
investigador, elas representam uma contramarcha na Lava Jato.
O
Supremo arquivou alguns casos relacionados aos senadores Aécio Neves (PSDB-MG)
e Ricardo Ferraço (PSDB-ES), entre outros, sem manifestação do Ministério
Público... É um atropelo injustificado do Supremo.
Magistrado não investiga. Quem acusa é o Ministério Público. Quem investiga é o
Ministério Público e a polícia. Se provocado, o magistrado tem de se manifestar
sobre excessos. Mas magistrado não pode conduzir investigação e dizer que a
investigação está assim ou está assado. Determinar um arquivamento sem a oitiva
do órgão investigador? Aí nós temos um superjuiz. Um juiz que investiga, que
julga, que delibera a política de investigação e a política criminal. Deus me
livre.
O
Supremo tem arquivado inquéritos por entender que não podem ficar abertos sem
resultado concreto. Concorda com esse raciocínio? Uma
investigação pode durar dois meses ou um ano e meio. Cada uma tem sua dinâmica.
Estamos falando de pessoas poderosas e de organizações criminosas. Para você
entender como essa dinâmica operava, não consegue fazer isso em 30 ou 60 dias.
Acho errado o Supremo dizer que está demorando demais. O que poderia cobrar é:
“Não estou vendo atos de investigação”. Como não há atos de investigação, esse
processo não pode ficar eternamente aberto. Agora, se os “atos de investigação”
existem, como é que o Supremo pode dizer que demorou demais?
É
possível que o sistema político atacado pela Lava Jato tenha se reorganizado
para se defender? É uma das hipóteses. As investigações estão num
ritmo mais lento do que aconteciam antes. Isso é visível.
A
Polícia Federal diz que algumas delações da Odebrecht não vão chegar a lugar
algum, que há benefícios excessivos, acordos a toque de caixa. Como o senhor
responde às críticas? É uma disputa de poder. Eles (policiais
federais) querem participar ativamente de acordos de colaboração.
Dizer que os acordos da Odebrecht não resultaram em nada? Várias investigações
se seguiram. É um acordo que envolveu 78 pessoas, vários fatos foram trazidos.
É obvio que nesse caldeirão alguns vão ter sequência positiva e outros não.
Agora, dizer que a colaboração da Odebrecht foi fraca, meu Deus!
Joesley Batista, o delator do grupo J&F. Janot
refutou erros tanto na aceitação da colaboração premiada de Batista, a quem foi
concedida imunidade penal, quanto na revogação - Bloomberg / Agência O
Globo
Faltam
cinco meses para terminar o governo de Michel Temer. Duas denúncias contra ele
foram bloqueadas pelo Congresso. É um caso de impunidade? Fiz
meu papel, fiz as denúncias bem estruturadas. Não foram baseadas em indícios,
mas em provas. Na denúncia da organização criminosa, a PF fez um trabalho
primoroso, um relatório de quase 500 páginas. Ele coloca o carimbo na testa do
chefe da organização criminosa, chamado Michel Temer. Então, o futuro para esse
senhor é incerto e não sabido. Como o STF está restringindo o foro, o caso vai
para a primeira instância. São duas denúncias muito sólidas e há mais duas
investigações muito sólidas que se seguem contra ele.
O
que o senhor espera que aconteça em 1º de janeiro de 2019? Que
esses processos baixem e que enfim a Justiça Penal siga seu curso. Quem errou
pagou, quem não errou não pagou.
O
presidente deveria ser preso? A questão que se coloca não
é de se o presidente deveria ser preso ou não. A questão que se coloca é:
alguém que comete crime deve ser preso? O Zé da Silva que está na esquina e
comete um crime é preso. Por que com o “Alan Silver”, que é um sujeito poderoso
e tem dinheiro, todo mundo questiona se ele deve ou não ser preso? Ganhei um
livro muito bom de um amigo chileno. A tradução livre em português é: Como a
aristocracia sequestrou a democracia. Estamos com uma democracia sequestrada
por uma aristocracia bandida. Não toda ela, mas bandidos se inseriram nisso e
sequestraram a democracia. Esse tipo de coisa não tem de ter.
A
Lava Jato atingiu todas as forças políticas? O senhor acredita nisso? Todas.
Me fala uma que não.
Por
que ninguém do PSDB está preso? Não sei, tem de procurar o
Judiciário. Mas a gente tem um senador importante do PSDB (Aécio Neves),
que teve 53 milhões de votos na eleição passada e que era o virtual futuro
presidente do Brasil, com denúncia admitida no Supremo.
O
que ocorre quando as investigações descem para a Justiça estadual, para a
primeira instância? Há uma pressão enorme.
Os
casos ficam impunes? Confio na magistratura e nos Ministérios
Públicos dos estados. Agora, o sistema é concebido de uma maneira muito cruel.
Como é que, em uma carreira de magistratura, para um juiz ser promovido, se faz
necessário um ato do governador?
A
volta dos processos ao juiz de primeira instância atrapalhou a Lava Jato? Acho
que não. A Lava Jato não pertence mais a ninguém. Virou uma força, é uma onda.
Ela está indo. São processos com marchas e contramarchas mesmo. O sistema
reage. Agora, dizer que a Lava Jato vai acabar, não sei, não.
Crimes
que no início da Lava Jato estavam sendo classificados como corrupção hoje
estão sendo reclassificados como crimes eleitorais. São
poucos casos, mas isso é um absurdo. A Lava Jato bloqueou contas no exterior,
descobriu mala de dinheiro andando nas ruas de São Paulo, em apartamento de
Salvador, em Belo Horizonte. A solução é botar dinheiro na campanha?
A
linha entre financiamento da atividade política e beneficiamento pessoal é
tênue. Alguns críticos consideram a linha de atuação da Lava Jato moralista.
Qual é a resposta do senhor para essa crítica? Estudos
de cientistas políticos sérios revelam que, quanto mais dinheiro na campanha,
mais cadeira você obtém na eleição. Dos 20 maiores doadores da campanha de
2010, 12 estiveram envolvidos na Lava Jato. O sistema que a gente quer é esse
mesmo? Vamos manter isso?
Benefícios
do Judiciário e do Ministério Público, como auxílio-moradia e férias de dois
meses, são bancados com dinheiro público. Não são parecidos com formas de
corrupção? É completamente diferente.
Auxílio-moradia, eu nunca recebi. Sobre férias, tenho uma opinião já antiga,
que agora posso reiterar. Numa sociedade em que não há lugar para uma
aristocracia, não há lugar para privilégios. Então, temos de ter férias
normais (de 30 dias), como todo trabalhador tem.
O
magistrado ou integrante do MP que tem imóvel próprio deveria aceitar o
auxílio-moradia? Acho que ele não deveria aceitar.
Como
será o ministro Dias Toffoli na presidência do STF, considerando a Lava Jato e
as posições recentes dele na Segunda Turma? Presidente
do Supremo não pode muito. Ele pode muito nos períodos de férias e na fixação
de pautas do plenário. Só que existe um plenário que julga os processos. Ou que
não julga os processos, se ele não vem. O que tem de haver são critérios
objetivos para que você possa levar processos relevantes ao plenário do
Supremo.
A
alteração na Segunda Turma (Carmen Lúcia assumirá o lugar de Toffoli) pode ser
interessante do ponto de vista da Lava Jato? Acho
que pode. A alteração da Segunda Turma vai levar a um outro arranjo de ideias
na Segunda Turma.
O
senhor foi criticado por conceder imunidade penal para executivos do J&F. E
também por pedir rescisão do acordo depois da divulgação de uma conversa que
foi classificada como conversa de bêbados (entre delatores). Reconhece algum
erro no episódio? Não houve erro nem na fixação do acordo,
nem no pedido de revogação dele. Um empresário muito rico (Joesley
Batista) se acerta com um deputado federal (Rodrigo Rocha
Loures) para ter uma conversa com nada mais, nada menos, que o
presidente da República no palácio presidencial. Eu, como procurador-geral,
nunca consegui entrar sem ter de abrir o vidro, desligar o farol e fazer a
identificação visual de quem está dentro do carro. Mas esse (empresário),
não. Essa pessoa entra. Grava uma conversa da aristocracia que captura a
democracia. Trechos dessa conversa: “Estradas estão obstruídas, temos de abrir
outros canais”. Teve uma perícia bem interessante da Folha de S.Paulo sobre
essa gravação. Estou esperando as desculpas do jornal até hoje.
Por
que tinham de pedir desculpas? Porque fizeram uma violação
do estado democrático de direito. A imprensa não é para isso. Eu não sei quais
interesses eles estavam defendendo ali, quando disseram que essa gravação tinha
de ter sido periciada antes. E mais: apresentaram uma perícia interpretativa de
uma pessoa que escuta e interpreta o que ouve.
Qual
foi a interferência disso no processo? Criou marola. Deu força
para as pessoas dizerem: “Está vendo, essa investigação está perturbada, essa
investigação está contaminada”.
A
imprensa não deve ser crítica também do Ministério Público? A
imprensa tem de ser livre e tem de falar. O editorial, por exemplo, do Estado
de S. Paulo é a opinião do jornal, da empresa. Mas quem é que paga essa
empresa? Por que o jornal não divulga todo mês quanto recebeu de publicidade
oficial?
O
senhor está dizendo que eles tiveram opinião crítica porque receberam dinheiro
do governo? Não, não. Estou dizendo que eles tiveram
opinião crítica. O que eu não sei dizer é o que motivou aquilo ali.
O
senhor foi espionado pela Abin? Estou convencido de que não fui
investigado pela Abin. Mas fui espionado, sim.
Por
quem? O então presidente da Câmara, Eduardo
Cunha, contratou uma empresa de investigação que pretensamente investigaria
contas de colaboradores do exterior. Uma pessoa que trabalha ou tem ligação com
essa empresa, em uma festa, confidenciou algo do tipo: “Não, a gente não
investiga o procurador-geral, só que, nessa investigação que a gente faz, a
gente recebe muitas informações. A gente não descarta informação alguma”.
Outras conversas chegaram. Eram conversas de investigados sobre pessoas que
agenciavam mulheres em Brasília e eram procuradas para saber se eu tinha saído
com alguma delas.
Alvos
da Lava Jato tentaram atacar o senhor em sua vida pessoal? Com
certeza absoluta. Mas de minha vida pessoal eu não falo.
Como
o senhor reagiu a isso? Quando você recebe mensagem de que sabem
onde sua filha trabalha e mora, é um negócio complicado. Eu reagi com
tranquilidade. Até certo ponto.
A
rotina do senhor hoje no Superior Tribunal de Justiça (STJ) é entediante?Pelo
que eu fiz (no passado), piece of cake (fácil). É um
trabalho sério, pesado, mas não tem aquela cobrança, a dimensão do outro
trabalho. Tem uma outra operação que está vinculada a meu ofício. Então, o povo
está achando que eu estou morto. Não estou morto, não.
Janot ao ser flagrado
com o advogado Pierpaolo Bottini, que defende Joesley Batista, numa
distribuidora de bebidas de Brasília. Ele disse ter certeza de que foi
espionado durante a Lava Jato e revelou que sua família recebeu mensagens
intimidatórias - Reprodução / O Antagonista
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